Este é o lenço de Marília
nele vereis retratado
o destino dos amores
por um lenço atravessado:
que o lenço para os adeuses
e o pranto foi inventado. Este é o lenço de Marília para o Amado. De Cecília, de Marília e de Maria... ... Eis o que resta dos sonhos: um lenço deixado". que nem toda Marília é de Dirceu.
Epígrafe de H. Melville à etimologia [da baleia] "(fornecida por um falecido assistente, tuberculoso, de escola média)
[...]
O pobre assistente - puído no casaco, no coração, no corpo e no cérebro: eu o vejo agora. Estava sempre limpando seus velhos dicionários e gramáticas com um estranho lenço, zombeteiramente enfeitado com as alegres bandeiras de tôdas as nações conhecidas do mundo. Êle gostava de tirar o pó de suas velhas gramáticas: isso, de algum modo, fazia-o suavemente recordar-se de que era mortal"
***
O intenso dá sentido à existência. A questão é que, na maior parte do tempo, o intenso não está lá. O intenso é pontual, isolado. Não terá sido por isso que, desde as mais arcaicas e obscenas pinturas rupestres à contemporânea pintura abstrata, criamos a arte para tornar minimamente cotidiano o efêmero intenso da existência? Em meio ao intenso e a arte, super-homens puídos e sem escola sustentam a verdade como se fosse a pena da leveza do ser. E são.
Me dei conta de que quase nunca pensamos a mesma coisa sobre música, ouvir, fazer, falar dela. Música é uma coisa, letra outra. Claro. Aos caros amigos músicos, agradeço pelas horas de querela nesse sentido! hehe É que quando se faz música, a música vira outra coisa.
Mas música e letra podem ser parte de um projeto só. Ainda mais: pode ter imagem e se tornar o que eu chamaria de um video-clip-arte-total numa consonância entre imagem, palavra e... música! É claro que no caso da canção de que falo aqui existe um elemento repetição, mas aí eu provavelmente teria de falar sobre música e eu não saberia...
É que às vezes a palavra vem atravessar a música com um conceito para que a gente se delicie com uma composta experiência estética.
E quando este conceito trata de artifício, artificialidade (falso?), eu já acho que, além de reunir tudo isso, este clip aqui embaixo é o que possivelmente num futuro distante poderiam considerar um "clássico" representativo do nossotempo... Tudo bem, vai. Outra postagem para explicar quem somos "nós", sendo o mínimo os meus demônios interiores e o máximo, a humanidade inteira.
Ah! E outra postagem ainda para o tempo.
O livro reúne livres interpretações de inspiração junguiana de histórias e narrativas arquetípicas sobre o feminino e suas expressões. Trata-se de Mulheres que correm com os lobos da poeta-psicanalista Clarissa Estès. Presente de amiga rosa-leoa-loba-girafa :) A leitura se encaminha para o final e já passei por um bocado de mulheres mexendo em si mesmas por dentro e por fora. A proposta-partida é excelente: mulheres e lobos têm um comportamento com semelhanças surpreendentes e pulsa nesta semelhança um elemento selvagem, alcançável apenas na aceitação de uma velha senhora "subterrânea" na psique, no río abajo río, aquela que chama e solicita, lá por debaixo de várias camadas de... Bem, poderiam ser camadas de qualquer coisa. Esta mulher é La que sabe.
Mas eu preciso mesmo é falar do capítulo 13, intitulado "O cio: a recuperação de uma sexualidade sagrada". Conta-se que a deusa grega da terra, Deméter, caiu em depressão depois que sua filha desapareceu. Ela havia sido raptada por Hades, deus do inferno. A única coisa que consegue novamente animá-la, depois de tristes tempos de busca mal-sucedida pela filha, é uma outra mulher, ou "espécie de mulher" - Baubo, uma fêmea - que "não tinha nenhum tipo de cabeça, seus mamilos eram seus olhos e sua vulva era sua boca" que aparece dançando e contando piadas picantes até que consegue fazer Deméter rir. Assim acaba por reanimá-la mais uma vez. Para viver, talvez. "Foi com essa boquinha que ela começou a regalar Deméter com algumas piadas picantes e engraçadas. Deméter começou a sorrir, depois deu um risinho abafado e em seguida uma boa gargalhada. Juntas, as duas mulheres riram, a pequena deusa do ventre, Baubo, e a poderosa deusa mãe da terra, Deméter." Nada poderia ser melhor que isso, a não ser a história do "Coiote Dick", uma história dessas como a de Baubo, hein Clarissa? ;) De toda maneira uma história que seria enforcada pela minha paráfrase. Bom divertimento: "Era uma vez Coyote Dick, e ele era tanto a criatura mais esperta quanto a mais tonta que jamais se podia esperar encontrar [...] Bem, um dia quando Coyote Dick estava dormindo, seu pênis ficou realmente entediado e resolveu abandonar Coyote para viver sozinho uma aventura. Foi assim que o pênis se soltou de Coyote Dick e saiu correndo pela estrada. Na realidade, ele pulava pela estrada afora já que possuía só uma perna. E ele foi pulando e pulando, e se divertindo até que saltou da estrada e entrou na floresta, onde — Ah, não! — ele pulou direto numa moita de urtigas. — Ai! — gritou ele. — Ai, ai, ai! — berrou ele. — Socorro! Socorro! O barulho dessa gritaria toda acordou Coyote Dick e, quando ele estendeu a mão para dar partida no coração com a manivela, como de costume, viu que ela não estava mais lá. Coyote Dick saiu correndo pela estrada, segurando-se no meio das pernas, e afinal encontrou seu pênis passando pela maior dificuldade que se pudesse imaginar. Com grande delicadeza, Coyote Dick tirou seu pênis aventureiro do meio das urtigas, acarinhou-o, tranqüilizou-o e o devolveu ao seu lugar certo. Old Red ria como um louco, com acesso de tosse, olhos saltados e tudo o mais. — Essa é a história do velho Coyote Dick. — Você se esqueceu de contar o final — repreendeu-o Willowdean. — Que final? Já contei o final — resmungou Old Red. — Você se esqueceu de contar para ela o verdadeiro final da história, seu porcaria. — Ora, se você se lembra assim tão bem, então conte você mesma. — A campainha tocou e ele se levantou da cadeira desconjuntada. Willowdean olhou direto para mim, e seus olhos cintilavam. — O final da história é a moral. — Nesse instante, Baubo apoderou-se de Willowdean, pois ela começou a dar risinhos, a rir abertamente e afinal a gargalhar tanto, e até com lágrimas, que levou dois minutos para conseguir dizer as duas últimas frases, já que repetia cada palavra duas ou três vezes enquanto tentava recuperar o fôlego. — A moral é que, mesmo depois de Coyote Dick sair do meio das urtigas, elas fizeram seu pau coçar feito louco para todo o sempre. E é por isso que os homens estão sempre chegando perto das mulheres e querendo se esfregar nelas com aquele olhar de "Estou com uma coceira". Pois é, aquele pau universal está coçando desde a primeira vez que fugiu do dono. Não sei o que deu em mim, mas ficamos ali sentadas na cozinha, rindo aos guinchos e batendo na mesa até praticamente perdermos o controle dos músculos. Depois, a sensação me pareceu semelhante àquela de ter comido um bom pedaço de raiz-forte. É esse o tipo de história que eu realmente acho que Baubo contou. Seu repertório inclui qualquer coisa que faça as mulheres rirem desse jeito, desenfreadas, sem ligar para as amídalas aparecerem, com a barriga solta, com os seios balançando. Há algo numa risada sexual que é diferente de uma risada sobre temas mais educados. Uma risada "sexual" parece chegar longe e fundo na psique, sacudindo todos os tipos de coisas, tocando nos nossos ossos e fazendo com que uma sensação agradável corra por nosso corpo. Ela é uma forma de prazer selvagem que está à vontade no repertório psíquico de qualquer mulher." Ahhh... as boas morais! sEM MAIS... Referência: ESTÈS, Clarrisa P. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem.Rio de janeiro: Rocco, 1994. p.416-429.
"Na vida, quem perde o telhado, em troca recebe as estrelas".
Começa assim uma linda música de Tom Zé, descoberta num momento muito significativo. O nome da música é "Solidão", e pode ser conferida em algum lugar aqui à direita, numa antológica gravação pro Ensaio da TV Cultura. Não. Não estou sozinha. Não mais que você que lê isso agora. Estou é desenraizando. Viver, além de muito perigoso, Guimarães, é uma dessas duas coisas: você está enraizando ou você está desenraizando. Há quem passe a vida a enraizar - semeador dedicado, húmus constante de matéria viva, casa, comida, roupa suja, cachorro parcelado em 12x no Visa e uma certeza inteira de residência fixa. Capaz que uma boa metade dos mortais ocidentais creiam ser o curso "natural" da vida a penetração viva das certezas em terra firme e segura. Isso quer dizer que você nasce, cresce e, quando está prestes a reproduzir, passa também a "vencer na vida". Casa e vai pra casa, uma vez encontrada sua "alma gêmea" e o emprego dos seus sonhos. Trocar de carro, moto, jumento, macarrão de domingo com mãe, vó e as crianças. Do lado de lá, estão os outros. Aqueles que "erram" e parecem persistir no erro: os incapazes de assumir a santa responsabilidade: loucos, malandros, artistas, bêbedos e mochileiros, flâneurs, nietzsches, artistas de rua, vagabundos, descasados, mães solteiras. Desenraizadores, enfim. A bombordo ou estibordo seguimos na nau. Será que ainda desenraízo?