terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Vegetarianismo: o instinto, a cultura e a hipocrisia alimentar

Contra ou a favor, os argumentos são igualmente grandes em quantidade e controversos em natureza: por que se alimentar e por que não se alimentar de animais. Bom, eu, na minha qualidade de especialista em coisa nenhuma, só posso, mais uma vez, manifestar uma inquietude. Sabemos da história da antropologia física, dos estudos arqueológicos sobre o controverso surgimento da espécie humana, Darwin, o evolucionismo e a seleção natural, etc. E o homem lá. Onívoro. Sendo esta uma das características que teria contribuído para que esta espécie tivesse chegado ao "topo da cadeia alimentar". Há animais que se alimentam de outros animais. E outros que não o fazem, que comem apenas ervas e plantas em geral. O ser humano é aquele animal que faz as duas coisas. Mas isso também o fazem outras espécies. Curioso mesmo é que o homem, enquanto comedor de animais, faça uma coisa que nenhum outro animal faz: domesticar e "humanizar" animais! E que neste caminho termine por confundir totalmente as bolas e quebrar a cabeça tentando entender porque acha certo comer boi e errado comer cachorro, e sentir remorso pensando nos mecanismos de abate. Trata-se do conflito entre natureza e cultura e da inegável presença de elementos afetivos e intimistas nos hábitos alimentares. É quando os direitos dos animais surgem num contexto tão paradoxal que a vida das baratas passa a valer infinitamente menos que a dos golfinhos, e que comer uma carne vermelha e suculenta se torna um gesto condenável, bárbaro, atroz. Sim, sim, sim! Este post veio do meu almoço. Confesso que, apesar de todos os argumentos me tocarem de alguma maneira, não há nada que me faça realmente parar de comer do que encontrar “tubinhos”. Nossa... quanta perda de apetite. Os tubinhos, para quem não “pegou”, são aqueles resquícios dos ligamentos que deveriam estar constituindo a musculatura do animal (lógico! É um animal, ele deve ser “ligado” de alguma maneira, ele não é apenas um conjunto de bifes fatiados prontos pro alho e para a frigideira), mas que, para a manutenção do apetite da Fillipa, deveriam ter sido cuidadosamente eliminados pelo gentil açougueiro. 
Quanta hipocrisia! Assumamos. Hiprocrisia alimentar. Isto acontece porque introjetamos hábitos alimentares de uma maneira no mínimo errada: aquela mesma coisa que faz a criança supor que o leite vem da caixinha tetra-pak. Ela só sabe até ai! E sabendo apenas isso vai desenvolvendo o hábito, o paladar e o olfato em torno de estímulos que vão se tornando cada vez mais condicionadores de seu apetite. Ninguém em sã consciência pensa em matadouro quando sente cheiro de churrasco. E aí não só o elemento cultural está em jogo: todo animal carnívoro tem o paladar igualmente estimulado ao sentir o odor da carne. Nós não somos apenas o que fazemos livre e arbitrariamente de nós mesmo. O homem como todo animal tem o comportamento condicionado também por instintos.  Seja como for, anos e anos depois de lingüiças mal-explicadas, a gente começa a compreender mais da vida e do mundo e a entender que não há motivo para que uma galinha seja considerada menos animal do que Pituxa, a cachorra, e a questionar a maneira como esses animais são sacrificados. Assim, tubinhos = lembrar que aquela coisa saborosa e temperada era um animal, um ser vivo, e que ele podia ter uma família, amigos, e quem sabe até um olhar especial, um jeitinho maroto e gracioso de preservar seu lugar ao sol! Que a gente pense essas coisas  me parece infinitamente mais curioso que comer animais e comer plantas. Acredito que o verdadeiro problema em torno do vegetarianismo não está na opção pessoal por comer ou não comer carne, mas na incompreensão de que ser humano é viver mesmo este conflito entre natureza e instinto, de um lado, e moral e cultura, de outro. Acreditar que não comer carne faz de você, por este simples motivo, uma pessoa melhor me parece igualmente pura hipocrisia. Crer que dessa maneira você se “eleva” da condição de animal, que é uma coisa muito feia, e que você seria mais bonito, assim, aquele ser espiritual que negou toda a matéria, porque definitivamente não funciona assim. Até porque vegetais também são seres vivos e "materiais", e há até quem reivindique também seus direitos! Tolher um instinto (e acredito que é preciso compreender dessa maneira) exige uma tomada de posição cultural e uma árdua transformação consciente de perspectiva. Isso não significa que com este movimento se consiga negar inteiramente a natureza, porque exatamente lá, no âmago das origens dos grunhidos agudos do animal que capturou uma presa, estamos também todos nós. A natureza engloba curiosamente a cultura. Existem, sem dúvida, recorrentes e interessantes motivações pró-vegetarianismo de ordem religiosa ou cultural ou de ordem político-ativista (incluída neste grupo aquela atitude que me parece bastante legítima: não necessariamente evitar comer carne, mas procurar restringir o consumo em função da origem e da forma de abate do animal). 
Porque uma coisa é caçar e comer. Lembrando que também o animal faz isso. Outra coisa totalmente diferente é enclausurar e torturar. Legítimo mesmo seria ocupar-se da caça do próprio alimento! Mas isto num mundo moderno e diferenciado de caixinha tetra-pak é um tanto quanto complicado. Eu, por exemplo, deveria estar pescando agora, e não escrevendo sobre vegetarianismo! Seja pela dignidade do animal, seja pela dignidade do ser humano, evitemos então tanto o “especismo”, a crença no poder de transformar e manipular indiscriminadamente a natureza, quanto a hipocrisia alimentar. Lembro sempre do conselho de um professor a cuja palestra tive ocasião de assistir. Ele encontrava mais semelhanças que distinções entre os homens e os animais. Ele era quase um “animalista” . E dizia: se você quer ou vai parar de se alimentar de carne por uma questão de consideração aos animais, sugiro que você, ao menos uma vez ou outra, o faça, para nunca esquecer que você e eles são o mesmo, e que aquele sabor também é o seu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O casamento da senhora baratinha e a liberação feminina

"Quem quer casar com a senhora baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha? Ela é vaidosa e quem com ela se casar, terá doces todo dia, no almoço e no jantar". Eu tava relembrando esse mimo de infância com minhas irmãs e meus botões e fiquei de cara com o conteúdo adulto que acaba sempre vindo nas historinhas que a gente ouve quando está aprendendo coisas sem saber que está aprendendo. Tenho horror de barata! Como quase toda mulher. Pânico! Entomofobia mesmo... E não é que está na história desse bichinho horroroso, vai-se lá saber se propositadamente ou não, todos os elementos do que chamamos, desde meados do século XX, pelo menos, de liberação feminina?! Bom, vamos ver se eu estou exagerando. A primeira coisa que vocês poderiam me dizer é: como assim, amiga? A barata está querendo se casar, desesperada por um noivo. O que isso tem a ver com liberação feminina? Gente... a barata tem dinheiro na caixinha!! Ela está melhor do que eu! Do que muitas de nós. Se ela procura um noivo é porque está a fim mesmo, não? Atire a primeira pedra a mortal que jamais quis isso pra si. A aconchegante companhia masculina diária e até, com o perdão das feministas,  a sensação de proteção, de segurança, enfim. Acredito que a tal liberação feminina não tem necessariamente a ver com a opção pelo casamento, se assim a barata quiser... O importante é que ela quer e pode! E é o que a barata faz. Bota fitinha no cabelo (ahhh! Joga de novo uma pedra a mortal que nunca colocou fitinha!) e vai lá no barzinho, digo, na janela, escolher um noivo. E como ela "bota banca"! Essa barata danada, vaidosa e sem-vergonha tem casa própria, conta-poupança  e ainda algum sobrando pro supérfluo. Quem não ia querer essa barata! Os pretendentes se aproximam e querem corresponder, coitados, à expectativa de tão deslumbrante e bem-sucedida "inseta". E alguém lembra como é que se dá o processo? Tá aí o link do vídeo no início da postagem pra todo mundo conferir. Olha o naipe da pergunta depois da investida do boi: "-Diga primeiro, boizinho, como é que você faaaaaaaz?" Ahhhh faça favor... Essa barata só casa experimentando antes! Só tem um detalhe: a D. Baratinha é muuuito sensível e tem medo de tudo, só não de barata! Nem de marido pra matar barata precisa! Bom, mas quer casar ainda assim, deixa ela. E com muuuito medo dos desejosos mugidos e relinchados dos primeiros pretendentes, acaba por escolher o Dr. João Ratão que, apesar do nome, não assusta ninguém. Vamos fazer então um balanço: nossa barata super-moderna-liberada-sexualmente, cheia da bufunfa na caixinha oferece doces tooodo dia àquele cavalheiro que não lhe venha com muitos "agachados" (como se dizia no tempo de solteira da minha mãe), assim sem muito chamego, muita "pegação", a gente poderia dizer. Só mesmo no docinho, todo dia. E é aí que, curiosamente, o Dr. João Ratão começa a pensar em toucinho. Já viu. O cara casa e desembesta a comer. Ainda mais numa condição dessas. Pois o ratãozinho nem ainda casou e já começou a ponderar ali... doce todo dia? Aquela barata com medo a noite inteira... quer saber eu quero é feijoada! E se estatela dentro do caldeirão. Caramba. É triste e definitivo. Nem o perfume de jasmim da Baratinha pra fazer esse rato desistir do toucinho, cervejinha, os amigos, bar, e por aí vai a valsa. Mas a moral da história está lá. Firme e forte com a barata. Pra feminista nenhuma botar defeito. Traiu, morte nele! Foi aí que eu pensei: no meio de tantas princesas esperando beijo pra serem desenfeitiçadas, e temerosas chapeuzinhos ameaçadas, houve lugar na nossa infância pra vingança feminina. Bom seria se nesse movimento a gente tivesse aprendido também lá no inconscientezinho de pirralha, a não revelar assim tantos medos e, sobretudo, nunca, nunca, jamais! Cair na besteira de oferecer a alguém doces tooodo dia, no almoço e no jantar.