segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

o modelo da fome

Algumas das pessoas que têm a sorte (no sentido de acaso) de acompanhar a vida desta pobre palradora talvez não agüentassem mais me ouvir dizer que eu ia, enfim e efetivamente, criar um blog. Pra fazer um blog é preciso antes de tudo de texto, certo? E pra fazer texto, é preciso um assunto. Então... aí é que sempre esteve o problema. Porque assunto nunca faltou e eu cheguei a fazer uma lista deles, cada elemento da lista correspondendo a uma inquietação, um livro, um espanto, uma idéia tosca, ou a uma indignação horrorosa com relação às coisas mais simples que ocorrem ou podem ocorrer no cotidiano de qualquer um. Até que chegou um ponto em que eu pensei que eu não poderia mais guardar só com meus botões tanta má consciência e continuar a fazer listas de indignações – até porque isso é coisa de velha virgem mal-amada – sem poder extrair um produto qualquer dessa história toda. Um texto que só a minha mãe vai ler! Que seja. Eu só preciso é parar de colecionar espanto e de ficar me ressentindo naquela smashing pumpkins: “...I’m still just a rat in a cage”. E este ponto, a gota d’água mesmo foi, sem dúvida, esta imagem com a qual me deparei quando assim, distraidamente, olhava sem muito interesse o “diaporama” do UOL:


Foi o “that’s it!”. Porque eu não acredito mesmo que seja só a mim que espante tão intimamente esta figura saída dos mais recentes desfiles fashion-rio-primavera-sabe-lá-deus-o-quê e o conteúdo (será que a gente poderia dizer assim?) que ela incorpora. É claro que não estamos apenas falando aqui de magreza, de uma moça e seu esqueleto, e nem mesmo chegando a discutir o que seria mais difícil que sexo dos anjos: se isto é uma coisa bela ou não. Há quem considere que sim. Também não caberia aqui puxar a velha discussão com aqueles que, como eu, nunca entenderam o sentido de desfiles de moda: “– Quem usaria uma vestimenta como essa em qualquer que fosse a ocasião? Quanta ignorância! Porque não se trata mesmo de vestir isso no dia-a-dia, minha filha, é moda!” O que interessa é a grife, é a marca. A questão é que a gente está comprando esta marca de alguma maneira, já que ela está estampada num mega-veículo de notícias na qualidade de beleza, atualidade, enfim. Isto faz as pessoas comprarem! Não bastasse isso, nós deveríamos aceitar que esta moça está aí como modelo. É isso mesmo. O osso desta moça é um modelo pra nós. Seus braços, enfim, conferem aí o modelo de alguma coisa, e eu só consigo entender que é de fome. Porque a única outra vez em que eu me deparei com tamanha “ausência” foi naquelas também estampadas imagens de diaporamas outros onde “desfilavam” miseráveis seres esquálidos e famélicos, como aqueles do continente africano onde, estima-se, mais de 200 milhões de pessoas estão em estado de subnutrição. Então é simples assim: a gente não compra a roupa que a moça veste, acho que ela mesma não compraria. A gente (nós, assim, pessoas-de-dia-da-semana, digo) não acha isso bonito. Independentemente disso, há uma indústria, como qualquer outra, que “funciona”, que produz. O produto desta indústria não são roupas, mas modelos e marcas desprovidos de conteúdo que querem ocupar entre a gente o espaço da promoção da beleza, do estilo, da qualidade. Publicidade. Nós somos o público, e compramos isso de alguma forma. O dinheiro desta compra poderia muito bem pagar a alimentação da moça, caso ela comesse. Mas ela não come. E por isso ela é modelo. Já aos que comeriam, e bem, o dinheiro desta indústria jamais seria destinado. A beleza e seu modelo são hoje a fome. E o pior: a fome por opção.