quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Crônica espontânea de uma vida privada

F: ei, entra aqui
10:49 T: oi
 F: pois e,
 T: acho q é so enviar os billhetes p ela
 F: ela quer que mande so os bilhetes? e os comprovantes?
 T: sim
 F: e capaz de ainda dar m,erda por causa das contas juntas
10:50 T: ela vai preencher o formulario de reembolso de la
 F: pois e, na pior das hipoteses
 T: a gente envia junto os fomularios q a genete mandou p goddard
 F: ela da o dinheiro prum dos dois
10:51 e ai a gente transfere se for o caso
 T: sim
  de algum modo ela vai fazer
 F: tem q mandar logo isso!
10:52 mas eu nao sei pq ela nao falou nada! recebeu nosso e-mail com o formulario e num dcisse nadinha
 T: hoje a gente separa o material e amanha envia
 F: viu
  e e bom responder logo a ela ne?
 T: qual e o endereco de envio?
 F: vou responder logo aqui
10:53 eita, sei nao
  eu pergunto no e-mail?
  e ela perguntou nosso budget, quanto q eu digo mesmo? 500 a 600?
10:54 alem cisso quer saber se a gente quer ficar na cochia ou num lugar mais arrumado hehehehehe
10:55 T: o endereco é esse q ta embaixo do nome dela
10:56 F: ei, ne melhor mndar logo isso hj nao?
  ela vai pagar e tuudo
  aviao pra berlin inclusive
 T: pois é
10:57 bom entao vamo imprimir os formularios q a gente enviou p o goddard
  depois voltar em casa p pegar os bilhetes
 F: agente enviou pra ela tmb
 T: entao é so enviar os bilhetes
 F: ela diz aqui que se nao tiver preenchido os formularios ela mesma preenche
  tvz seja ate nelhor ela preencher mesmo pq ela sabe como o e o certo
10:58 T: entao responde a ela que vai enviar hoje os bilhetes
 F: e o que e eo comprovante original do EASYJET???
 T: e eu vou la pega-los
10:59 F: e vou colocar 500 a 600 euros, conforto e centre-ville de toulouse.
 T: ok
  qto a easyjet, sao os comprovantes q foram enviados p email
  p teu email
11:00 F: sera q a gente imprimiu?
  ou foi so os cartoes de embarque?
 T: nao, ainda tem q imprimir
  la na sala de informatica
  mas tem q carregar a conta p imprimir
 F: pois pega la os biljhets, e eu reswpondo o e-mail
 T: ta bom
 F: na volta a gente vai la na informatica
11:01 T: onde estao os bilhetes
 F: pode deixar tuas coisas ai q eu "pastoro"
 T: naquela estantezinha?
 F: e sim, tem duas opcoes, pq eu nao lembro
  ou a esquerda ao meio dentro de um envelope marrom
  ei!
  escreve tu o e-mail q eu vou la buscar
11:02 T: nao, eu ja to indo
  ate ja
 F: mas e q eu sei exatamento onde ta
  ta mas escuta
 T: eu encontro
 F: ou neste envelope marrom, ao meio da estante
  ou mais embaixo a direita naquela pasta cor de laranja de
  elastico preto
11:03 o envelope marrom
  esta embaixo da püasta rosa
  pasta rosa
  rosa, marrom e laranja!!
  nao esqueca! kkkkkkk

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Gratidão e loucura nos limites da cultura - sobre o ENCA (Encontro Nacional das Comunidades Alternativas)

A pior coisa que pode acontecer àquele que gosta demais do pensamento e confere a ele relevância extrema é o ceticismo. Nada contra esta veemente postura filosófica - o que seria de nossa ingenuidade sem a dúvida? Ou da nossa cultura sem a crítica, da resistência sem o questionamento? Mas o ceticismo tem uma perniciosa implicação existencial que está mais próxima de nós do que se poderia supor. Pense você agora em quantas vezes na vida foi capaz de sentir gratidão. Não como naquela vez em que, num dia de cansaço e preguiça cósmica você quis abraçar o entregador de pizza porque já grunhia de fome e não ousou se arrastar até a cozinha. Nem como daquela outra vez em que você descobriu que tinha um amigo quando precisou dele como da água e ele compareceu. Tampouco quando noutra ocasião em que você gastou o que não podia e comprou o melhor de todos os imagináveis presentes de dia das mães. Quando se sabe "por que" e “a quem” estar grato, é simples e comum sentir gratidão. Mas esta gratidão soa como uma obrigação. Acontece que um número grande de coisas ocorrem, coisas dessas que se explicam e dessas outras que não se explicam de jeito nenhum, e interferem e transformam e possibilitam nossa existência e pelas quais não nos vemos sentir gratidão. É aí que está um ceticismo cru, cinza e vazio, uma limitação que, buscando antes de tudo um por que, esquece que estar vivo é mesmo só um quase-milagre. Um quase-milagre que a gente não explica, não pergunta, não duvida. A gente cala, acha bom e agradece. Assim como quando se ri sem motivo. Não, não estou pirando (não mais do que o normal), nem entrando para uma seita religiosa. É que estive este fim de semana entre aqueles “malucos profissionais” que parecem ter percebido, assim num átimo, como ser atingido por um raio, que gratidão é melhor quando é simples gratidão. Eles se reúnem todos os anos, carregam consigo o mínimo possível, prioridade para as cores e formas do circo, os gestos e risos da pantomima, o básico para vestir e comer. Carregam o que não se pode carregar: o desprendimento. Eles vêm de vários lugares. Buscam um lugar minimamente propício, montam suas barracas e tendas, acomodam suas crianças, dividem o trabalho, estabelecem uma relação de amizade com a terra, a água, o fogo e o ar e chamam a isso tudo de Encontro Nacional das Comunidades Alternativas - ENCA. Acho que não preciso explicar o que é uma comunidade alternativa, mas se fosse o caso de dizer ao pé da letra, é assim como um jeitão de ser animal social, de fazer enxame mesmo, de unir forças e trocas (comunidade), mas de uma maneira muito diferente e paralela (daí o "alternativo") àquela que nós caras-pálidas fazemos aqui na velha selva de pedra. Sabe aqueles vagabundos, hippies, ciganos, circenses que não querem ovo, não metem a mão na massa, não entram no cabresto e no colarinho? Aqueles do sossego e sem papo de emprego? Os boas-vidas que não se preocupam com nada a não ser em descolar umzim? Pois é. Eles mesmo. Acontece que esse pessoal trabalha. Trabalham tanto que até pros que estão lá assim só charlando e vendo qual é, eles trabalham. E eles nem acham isso ruim. Porque não tem o pra quem e o por quê. O porquê é só a necessidade e o pra quem é todo mundo. E mais: eles estão preocupados! Minha nossa como se preocupam! Eles estão horrivelmente preocupados, estou com medo que desenvolvam uma úlcera de tanta preocupação. E a preocupação deles é o que os insere no limiar da natureza e da cultura. Eles estão exatamente lá no meio, entre o que faz deles seres humanos que talham, banham, montam, cortam, colhem, cozinham e o que os destaca da "civilização" e seus excessos. Em meio a tudo isso é difícil não acreditar em alguma coisa. Na loucura daqueles malucos. Não acreditar que o simples fato de se estar vivo, como um filho da terra, é motivo de gratidão serena. É como um tentar ser humano só assim o tantinho que se pode ser sem negar a “própria natureza”. Como se isto fosse possível. E como são humanos! Tolos, ingênuos e espertos como eles. Humildes e vaidosos. Eles têm suas leis e interdições. Eles não comem animais. Há quem diga que se alimentam de luz. Eles estão preocupados com a terra e sua ecologia. Eles não perdem noites preocupados em como pagar as contas no fim do mês, porque lá as contas têm de ser pagas a cada dia. Você toma e devolve, colhe e planta, suja e limpa, retira e devolve. Eles chamam a isso permacultura e morrem de medo de que outras pessoas não venham a perceber que trabalhar e transformar a natureza não é parasitá-la, e de que a terra venha a definhar. Eles comem e se espantam. Sim! O espanto deles vem de lembrar a cada vez que nada do que está no prato apareceu de graça,  por acaso, mas foi dado pela terra, cultivado, colhido, preparado, foi tra-ba-lha-do por alguém.
O espanto deles é um espanto natural. Eles chamam um ao outro “irmão”. Eles acham que é mais absurdo depender de ansiolítico do que nadar nu e cagar no mato. Eles não acreditam em Deus, mas sim em um bocado deles e dão a isso também vários nomes. À noite, eles dançam, loucos que são, em torno do fogo, eles brincam e fazem rir, eles cantam e tocam e oram. E eu, no meio de tudo aquilo, vi que lá fora de mim, lá no alto, também a lua se admirava e ficava para espiar, e sentir com eles a gratidão daqueles loucos.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Vegetarianismo: o instinto, a cultura e a hipocrisia alimentar

Contra ou a favor, os argumentos são igualmente grandes em quantidade e controversos em natureza: por que se alimentar e por que não se alimentar de animais. Bom, eu, na minha qualidade de especialista em coisa nenhuma, só posso, mais uma vez, manifestar uma inquietude. Sabemos da história da antropologia física, dos estudos arqueológicos sobre o controverso surgimento da espécie humana, Darwin, o evolucionismo e a seleção natural, etc. E o homem lá. Onívoro. Sendo esta uma das características que teria contribuído para que esta espécie tivesse chegado ao "topo da cadeia alimentar". Há animais que se alimentam de outros animais. E outros que não o fazem, que comem apenas ervas e plantas em geral. O ser humano é aquele animal que faz as duas coisas. Mas isso também o fazem outras espécies. Curioso mesmo é que o homem, enquanto comedor de animais, faça uma coisa que nenhum outro animal faz: domesticar e "humanizar" animais! E que neste caminho termine por confundir totalmente as bolas e quebrar a cabeça tentando entender porque acha certo comer boi e errado comer cachorro, e sentir remorso pensando nos mecanismos de abate. Trata-se do conflito entre natureza e cultura e da inegável presença de elementos afetivos e intimistas nos hábitos alimentares. É quando os direitos dos animais surgem num contexto tão paradoxal que a vida das baratas passa a valer infinitamente menos que a dos golfinhos, e que comer uma carne vermelha e suculenta se torna um gesto condenável, bárbaro, atroz. Sim, sim, sim! Este post veio do meu almoço. Confesso que, apesar de todos os argumentos me tocarem de alguma maneira, não há nada que me faça realmente parar de comer do que encontrar “tubinhos”. Nossa... quanta perda de apetite. Os tubinhos, para quem não “pegou”, são aqueles resquícios dos ligamentos que deveriam estar constituindo a musculatura do animal (lógico! É um animal, ele deve ser “ligado” de alguma maneira, ele não é apenas um conjunto de bifes fatiados prontos pro alho e para a frigideira), mas que, para a manutenção do apetite da Fillipa, deveriam ter sido cuidadosamente eliminados pelo gentil açougueiro. 
Quanta hipocrisia! Assumamos. Hiprocrisia alimentar. Isto acontece porque introjetamos hábitos alimentares de uma maneira no mínimo errada: aquela mesma coisa que faz a criança supor que o leite vem da caixinha tetra-pak. Ela só sabe até ai! E sabendo apenas isso vai desenvolvendo o hábito, o paladar e o olfato em torno de estímulos que vão se tornando cada vez mais condicionadores de seu apetite. Ninguém em sã consciência pensa em matadouro quando sente cheiro de churrasco. E aí não só o elemento cultural está em jogo: todo animal carnívoro tem o paladar igualmente estimulado ao sentir o odor da carne. Nós não somos apenas o que fazemos livre e arbitrariamente de nós mesmo. O homem como todo animal tem o comportamento condicionado também por instintos.  Seja como for, anos e anos depois de lingüiças mal-explicadas, a gente começa a compreender mais da vida e do mundo e a entender que não há motivo para que uma galinha seja considerada menos animal do que Pituxa, a cachorra, e a questionar a maneira como esses animais são sacrificados. Assim, tubinhos = lembrar que aquela coisa saborosa e temperada era um animal, um ser vivo, e que ele podia ter uma família, amigos, e quem sabe até um olhar especial, um jeitinho maroto e gracioso de preservar seu lugar ao sol! Que a gente pense essas coisas  me parece infinitamente mais curioso que comer animais e comer plantas. Acredito que o verdadeiro problema em torno do vegetarianismo não está na opção pessoal por comer ou não comer carne, mas na incompreensão de que ser humano é viver mesmo este conflito entre natureza e instinto, de um lado, e moral e cultura, de outro. Acreditar que não comer carne faz de você, por este simples motivo, uma pessoa melhor me parece igualmente pura hipocrisia. Crer que dessa maneira você se “eleva” da condição de animal, que é uma coisa muito feia, e que você seria mais bonito, assim, aquele ser espiritual que negou toda a matéria, porque definitivamente não funciona assim. Até porque vegetais também são seres vivos e "materiais", e há até quem reivindique também seus direitos! Tolher um instinto (e acredito que é preciso compreender dessa maneira) exige uma tomada de posição cultural e uma árdua transformação consciente de perspectiva. Isso não significa que com este movimento se consiga negar inteiramente a natureza, porque exatamente lá, no âmago das origens dos grunhidos agudos do animal que capturou uma presa, estamos também todos nós. A natureza engloba curiosamente a cultura. Existem, sem dúvida, recorrentes e interessantes motivações pró-vegetarianismo de ordem religiosa ou cultural ou de ordem político-ativista (incluída neste grupo aquela atitude que me parece bastante legítima: não necessariamente evitar comer carne, mas procurar restringir o consumo em função da origem e da forma de abate do animal). 
Porque uma coisa é caçar e comer. Lembrando que também o animal faz isso. Outra coisa totalmente diferente é enclausurar e torturar. Legítimo mesmo seria ocupar-se da caça do próprio alimento! Mas isto num mundo moderno e diferenciado de caixinha tetra-pak é um tanto quanto complicado. Eu, por exemplo, deveria estar pescando agora, e não escrevendo sobre vegetarianismo! Seja pela dignidade do animal, seja pela dignidade do ser humano, evitemos então tanto o “especismo”, a crença no poder de transformar e manipular indiscriminadamente a natureza, quanto a hipocrisia alimentar. Lembro sempre do conselho de um professor a cuja palestra tive ocasião de assistir. Ele encontrava mais semelhanças que distinções entre os homens e os animais. Ele era quase um “animalista” . E dizia: se você quer ou vai parar de se alimentar de carne por uma questão de consideração aos animais, sugiro que você, ao menos uma vez ou outra, o faça, para nunca esquecer que você e eles são o mesmo, e que aquele sabor também é o seu.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O casamento da senhora baratinha e a liberação feminina

"Quem quer casar com a senhora baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha? Ela é vaidosa e quem com ela se casar, terá doces todo dia, no almoço e no jantar". Eu tava relembrando esse mimo de infância com minhas irmãs e meus botões e fiquei de cara com o conteúdo adulto que acaba sempre vindo nas historinhas que a gente ouve quando está aprendendo coisas sem saber que está aprendendo. Tenho horror de barata! Como quase toda mulher. Pânico! Entomofobia mesmo... E não é que está na história desse bichinho horroroso, vai-se lá saber se propositadamente ou não, todos os elementos do que chamamos, desde meados do século XX, pelo menos, de liberação feminina?! Bom, vamos ver se eu estou exagerando. A primeira coisa que vocês poderiam me dizer é: como assim, amiga? A barata está querendo se casar, desesperada por um noivo. O que isso tem a ver com liberação feminina? Gente... a barata tem dinheiro na caixinha!! Ela está melhor do que eu! Do que muitas de nós. Se ela procura um noivo é porque está a fim mesmo, não? Atire a primeira pedra a mortal que jamais quis isso pra si. A aconchegante companhia masculina diária e até, com o perdão das feministas,  a sensação de proteção, de segurança, enfim. Acredito que a tal liberação feminina não tem necessariamente a ver com a opção pelo casamento, se assim a barata quiser... O importante é que ela quer e pode! E é o que a barata faz. Bota fitinha no cabelo (ahhh! Joga de novo uma pedra a mortal que nunca colocou fitinha!) e vai lá no barzinho, digo, na janela, escolher um noivo. E como ela "bota banca"! Essa barata danada, vaidosa e sem-vergonha tem casa própria, conta-poupança  e ainda algum sobrando pro supérfluo. Quem não ia querer essa barata! Os pretendentes se aproximam e querem corresponder, coitados, à expectativa de tão deslumbrante e bem-sucedida "inseta". E alguém lembra como é que se dá o processo? Tá aí o link do vídeo no início da postagem pra todo mundo conferir. Olha o naipe da pergunta depois da investida do boi: "-Diga primeiro, boizinho, como é que você faaaaaaaz?" Ahhhh faça favor... Essa barata só casa experimentando antes! Só tem um detalhe: a D. Baratinha é muuuito sensível e tem medo de tudo, só não de barata! Nem de marido pra matar barata precisa! Bom, mas quer casar ainda assim, deixa ela. E com muuuito medo dos desejosos mugidos e relinchados dos primeiros pretendentes, acaba por escolher o Dr. João Ratão que, apesar do nome, não assusta ninguém. Vamos fazer então um balanço: nossa barata super-moderna-liberada-sexualmente, cheia da bufunfa na caixinha oferece doces tooodo dia àquele cavalheiro que não lhe venha com muitos "agachados" (como se dizia no tempo de solteira da minha mãe), assim sem muito chamego, muita "pegação", a gente poderia dizer. Só mesmo no docinho, todo dia. E é aí que, curiosamente, o Dr. João Ratão começa a pensar em toucinho. Já viu. O cara casa e desembesta a comer. Ainda mais numa condição dessas. Pois o ratãozinho nem ainda casou e já começou a ponderar ali... doce todo dia? Aquela barata com medo a noite inteira... quer saber eu quero é feijoada! E se estatela dentro do caldeirão. Caramba. É triste e definitivo. Nem o perfume de jasmim da Baratinha pra fazer esse rato desistir do toucinho, cervejinha, os amigos, bar, e por aí vai a valsa. Mas a moral da história está lá. Firme e forte com a barata. Pra feminista nenhuma botar defeito. Traiu, morte nele! Foi aí que eu pensei: no meio de tantas princesas esperando beijo pra serem desenfeitiçadas, e temerosas chapeuzinhos ameaçadas, houve lugar na nossa infância pra vingança feminina. Bom seria se nesse movimento a gente tivesse aprendido também lá no inconscientezinho de pirralha, a não revelar assim tantos medos e, sobretudo, nunca, nunca, jamais! Cair na besteira de oferecer a alguém doces tooodo dia, no almoço e no jantar.     

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

o modelo da fome

Algumas das pessoas que têm a sorte (no sentido de acaso) de acompanhar a vida desta pobre palradora talvez não agüentassem mais me ouvir dizer que eu ia, enfim e efetivamente, criar um blog. Pra fazer um blog é preciso antes de tudo de texto, certo? E pra fazer texto, é preciso um assunto. Então... aí é que sempre esteve o problema. Porque assunto nunca faltou e eu cheguei a fazer uma lista deles, cada elemento da lista correspondendo a uma inquietação, um livro, um espanto, uma idéia tosca, ou a uma indignação horrorosa com relação às coisas mais simples que ocorrem ou podem ocorrer no cotidiano de qualquer um. Até que chegou um ponto em que eu pensei que eu não poderia mais guardar só com meus botões tanta má consciência e continuar a fazer listas de indignações – até porque isso é coisa de velha virgem mal-amada – sem poder extrair um produto qualquer dessa história toda. Um texto que só a minha mãe vai ler! Que seja. Eu só preciso é parar de colecionar espanto e de ficar me ressentindo naquela smashing pumpkins: “...I’m still just a rat in a cage”. E este ponto, a gota d’água mesmo foi, sem dúvida, esta imagem com a qual me deparei quando assim, distraidamente, olhava sem muito interesse o “diaporama” do UOL:


Foi o “that’s it!”. Porque eu não acredito mesmo que seja só a mim que espante tão intimamente esta figura saída dos mais recentes desfiles fashion-rio-primavera-sabe-lá-deus-o-quê e o conteúdo (será que a gente poderia dizer assim?) que ela incorpora. É claro que não estamos apenas falando aqui de magreza, de uma moça e seu esqueleto, e nem mesmo chegando a discutir o que seria mais difícil que sexo dos anjos: se isto é uma coisa bela ou não. Há quem considere que sim. Também não caberia aqui puxar a velha discussão com aqueles que, como eu, nunca entenderam o sentido de desfiles de moda: “– Quem usaria uma vestimenta como essa em qualquer que fosse a ocasião? Quanta ignorância! Porque não se trata mesmo de vestir isso no dia-a-dia, minha filha, é moda!” O que interessa é a grife, é a marca. A questão é que a gente está comprando esta marca de alguma maneira, já que ela está estampada num mega-veículo de notícias na qualidade de beleza, atualidade, enfim. Isto faz as pessoas comprarem! Não bastasse isso, nós deveríamos aceitar que esta moça está aí como modelo. É isso mesmo. O osso desta moça é um modelo pra nós. Seus braços, enfim, conferem aí o modelo de alguma coisa, e eu só consigo entender que é de fome. Porque a única outra vez em que eu me deparei com tamanha “ausência” foi naquelas também estampadas imagens de diaporamas outros onde “desfilavam” miseráveis seres esquálidos e famélicos, como aqueles do continente africano onde, estima-se, mais de 200 milhões de pessoas estão em estado de subnutrição. Então é simples assim: a gente não compra a roupa que a moça veste, acho que ela mesma não compraria. A gente (nós, assim, pessoas-de-dia-da-semana, digo) não acha isso bonito. Independentemente disso, há uma indústria, como qualquer outra, que “funciona”, que produz. O produto desta indústria não são roupas, mas modelos e marcas desprovidos de conteúdo que querem ocupar entre a gente o espaço da promoção da beleza, do estilo, da qualidade. Publicidade. Nós somos o público, e compramos isso de alguma forma. O dinheiro desta compra poderia muito bem pagar a alimentação da moça, caso ela comesse. Mas ela não come. E por isso ela é modelo. Já aos que comeriam, e bem, o dinheiro desta indústria jamais seria destinado. A beleza e seu modelo são hoje a fome. E o pior: a fome por opção.